Uma fascinante coleção de cartas, notas e miscelâneas dos arquivos do Museu-Casa Estatal de Tchaikovsky lançou uma nova luz sobre o mundo de Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893). Pela primeira vez traduzidas para o inglês, essas cartas revelam aspectos íntimos da vida do compositor, incluindo sua homossexualidade — um traço de sua personalidade que os censores russos sempre tentaram manter oculto do grande público.
Entre os trechos publicados no livro The Tchaikovsky Papers: Unlocking the Family Archive, compilado a partir de documentos mantidos no Museu-Casa em Klin, onde o autor de balés como “O Lago dos Cisnes” e “O Quebra-Nozes” faleceu durante uma epidemia de cólera aos 53 anos, encontram-se relatos profundamente pessoais. Em uma das cartas, Tchaikovsky escreve sobre um jovem funcionário:

“por quem estou mais apaixonado do que nunca”

e prossegue:

“Meu Deus, que criatura angelical, como eu gostaria de ser seu escravo, seu brinquedo, sua propriedade!”

Marina Kostalevsky, editora da obra, destacou em entrevista ao The Guardian que, embora a homossexualidade de Tchaikovsky seja aceita no Ocidente, continua sendo na Rússia:

“assunto de debate público caloroso e por vezes feio.”

De fato, trechos das cartas oferecem vislumbres diretos dessa parte de sua vida. Em uma delas, o compositor descreve um encontro com “um rapaz de beleza estonteante”:

“Depois da nossa caminhada, ofereci dinheiro a ele, mas ele recusou. Ele fez isso pelo amor à arte, além de adorar homens com barba.”

Em outro momento, ele comenta sobre um colega gay:

“Petashenka costumava passar aqui com a intenção criminosa de observar o corpo de cadetes, situado em frente à minha janela. Mas eu venho tentando desencorajar essas visitas comprometedoras, e com sucesso.”

Um trecho até então censurado relata um episódio durante sua estadia na Itália:

“Às nove em ponto, me deu vontade de sair e dar uma caminhada. Alguns cafetões perceberam o que eu estava procurando. A isca que usaram para me conquistar foi um jovem delicioso.”

Embora confesse que a “isca estava funcionando”, ele escreve que resistiu:

“Mas não fui vencido. Eu não sei se eles estavam tentando me chantagear ou simplesmente querendo ganhar dinheiro. De qualquer forma, não cedi.”

Esses relatos, muitas vezes íntimos e, por vezes, ousados, oferecem novas perspectivas sobre a criação de Tchaikovsky, suas relações familiares, sua busca por equilíbrio emocional e sua conexão com a cultura do Ocidente. Ao longo de mais de 5 mil cartas, o compositor revelou não apenas suas lutas particulares, como sua “timidez inacreditável”, mas também sua visão sobre si mesmo:

“Passei anos sem sequer perceber que eu era um compositor. Eu era meramente uma pessoa talentosa, mas nenhum fenômeno extraordinário.”

A introdução do livro reflete sobre a homossexualidade do compositor, descrita como “um dos maiores tabus em torno de sua vida”. Durante quase um século, foi um tema deliberadamente excluído da discussão pública, pois, aos olhos das autoridades, seria:

“inimaginável aceitar que um tesouro nacional da Rússia fosse homossexual.”

Este livro, que tem as cartas com fonte, é uma contribuição essencial para historiadores culturais e sociais, musicólogos e amantes da música, pois não apenas aprofunda a compreensão sobre um dos maiores compositores da história, mas também ilumina os desafios enfrentados por ele em um contexto sociocultural de lamentável censura e repressão.

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