O endereço postal é um conjunto de informações, apresentado em um formato geralmente fixo, que sinaliza para o mundo onde fica localizada nossa residência ou estabelecimento comercial. É em outros termos, o texto que particulariza a região do planeta onde moramos ou estamos sediados. A última linha, em geral, que compõe os endereços, é destinada a identificação do país.

Para alguns milhões de pessoas, ao redor do mundo, porém, esse é um imenso problema.

Os serviços internacionais de correio não reconhecem as cartas que têm como origem lugares como a Abecásia, a Transnístria ou a República Turca de Chipre do Norte, por exemplo.

(Agência Central do Correios em Tiraspol, na Transnístria)

As correspondências internacionais enviadas a partir dessas regiões separatistas chegam a seus destinos, em regra, só depois de serem redirecionadas a partir de outros países.
Esses “Estados” não reconhecidos pela comunidade internacional estão entre os poucos países do mundo que existem no mapa, mas não chegam a ser Estados-nação, além de não serem membros de organizações internacionais, tais como a ONU e UPU.
Como traço comum, eles têm o fato de terem sido formados após conflitos separatistas e severas crises políticas – e, apesar disso, são autônomos e relativamente estáveis.
Nestas localidade a vida corre dentro de uma certa normalidade, de forma que:
✅ os impostos são arrecadados pelo fisco diuturnamente,
✅ as pessoas casam e
✅ as crianças frequentam regulamente a escola.
Mas, como era de se esperar, tudo é um tanto quanto mais complicado do que no resto do mundo.

Apesar da República de Taiwan (em chinês 中華民國) ter autonomia desde 1949, a China continental a considera como uma província rebelde que integra o seu território – recentemente o presidente Xi Jinping declarou que a ilha “deve e será reunida novamente (no âmbito político)” ao continente.

O governo de Taipé é, porém, reconhecido por menos de 20 países, além de não ser membro das Nações Unidas.
Em outro rincão do mundo, o grupo autodenominado Estado Islâmico proclamou, em 2016, como seu um território um trecho que se estende entre Síria e Iraque – e que nunca foi reconhecido por qualquer outra nação.
Abecásia, Transnístria, Lugansk, Donetsk, Artsaque, Ossétia do Sul e República Turca de Chipre do Norte somam-se a este pequemo rol. Todos surgiram a partir de conflitos que ainda não tiveram seu desfecho.

A Abecásia (em abcázio: Аҧсны Apsny, em russo: Абха́зия Abkhazia, em georgiano: აფხაზეთი), localizada na região do Cáucaso, tendo como capital a cidade de Sucumi, venceu uma guerra de secessão contra a Geórgia, que foi parte da extinta União Soviética até 1991, em um confronto travado entre os anos de 1992 e 1993, tendo declarado sua independência em 12 de outubro de 1999.

Em 2008, foi reconhecida pela Rússia – considerada uma força de ocupação pela Geórgia – e por uma série de outros países.

A Transnístria (Приднестрóвская Молдáвская Респýблика), cuja capital é a cidade de Tiraspol, também é derivada do desmantelamento do bloco soviético, tendo se separado da Moldova (Leste Europeu), com o apoio da Rússia. depois de um conflito curto em 1992.

A República Popular de Donetsk (Донецкая народная республика), por sua vez, é uma entidade estatal, reconhecida pela Rússia, mas não pela ONU, localizada no território da bacia carbonífera do Donets, que declarou independência da Ucrânia em 07 de abril de 2014.

A República Popular de Lugansk é um ente político, também, com limitado reconhecimento internacional, localizado, da mesma forma, na bacia carbonífera do Donets, que proclamou-se da Ucrânia, em 27 de abril de 2014, após referendo realizado em 11 de maio daquele ano.

A República de Artsaque (Արցախի Հանրապետություն) é mais uma república independente de fato, localizada na região do Alto Carabaque (ou região de Artsaque, em armênio: Արցախ), na Transcaucásia, localizada a cerca de 270 quilômetros a oeste da capital do Azerbaijão, Bacu, sendo reconhecido pela ONU como parte deste país.

Constitui-se na maior parte do território do antigo Oblast Autônomo do Alto Carabaque e algumas áreas circundantes.

A Ossétia do Sul (em osseto: Хуссар Ирыстон, em georgiano: სამხრეთ ოსეთი, em russo: Южная Осетия) é uma região do Cáucaso do Sul, anteriormente chamada de oblast autônomo da Ossétia do Sul, dentro da República Socialista Soviética da Geórgia, parte da qual tem sido independente de fato da Geórgia desde a sua declaração de independência como República da Ossétia do Sul, em dezembro de 1991, durante o conflito osseto-georgiano.

Já a República Turca de Chipre do Norte (em turco: Kuzey Kıbrıs Türk Cumhuriyeti), cuja capital é Nicósia do Norte, se declarou como Estado, em 1983, nove anos depois de uma crise política que culminou em um conflito em que a Turquia invadiu o norte da ilha mediterrânea.
A ONU até hoje patrulha a chamada Linha Verde, zona desmilitarizada que divide a ilha entre a parte que declarou independência e aquela controlada pelo governo da República de Chipre.

As negociações para uma eventual reunificação não avançaram significativamente desde o momento da separação.
Os citados países têm governos próprios, bem como, estrutura postal, e, apesar de estarem longe de serem reconhecidos pela comunidade internacional, não dão sinais de que estejam em grandes apuros.
Entre outros fatores, essa “normalidade institucional” os coloca dentro da definição de Estados “de fato”, aqueles que têm território próprio, mas que estão à margem do sistema que rege as relações internacionais entre países.
Não menos importante, cada um deles tem um padrinho poderoso: a Rússia no caso da Abecásia, da Transnístria, de Lugansk e de Donetsk e a Turquia no caso da República Turca de Chipre do Norte.
Esses “patronos” as ajudam a sobreviver como regiões autônomas, provendo ajuda financeira e militar e enviando tropas, para garantir a segurança, quando necessário.
Mas, ainda que os aliados sejam importantes, mesmo que Rússia e Turquia reduzissem o apoio, esses territórios separatistas dificilmente desapareceriam pura e simplesmente.
Eles ficariam, indiscutivelmente, enfraquecidos de maneira geral, mas manteriam a forte identidade local que lhes é característica e a aspiração (justa) de serem países independentes.
A comunidade internacional não costuma dispender tempo e atenção para com essas regiões – ou se ater aos problemas estruturais que as mantêm nesse estranho estágio de limbo.
O interesse pelos Estados de fato é grande, por outro lado, entre os apaixonados por “lugares que não existem”.
Isso porque a ausência de reconhecimento oficial desses lugares é comumente compensada por uma rica produção de símbolos de Estado.
É uma parafernália digna de cinema, como ocorre, por exemplo, em:

✅ Freedonia – o Estado fictício de “Os Grandes Aldrabões” (Duck Soup), clássico dos irmãos Marx lançado na década de 1930 – ou

✅ na República de Zubrowka, do filme ‘O Grande Hotel Budapeste”, de Wes Anderson.

(Presidente Valerian Kobakhia)

A Abecásia, por exemplo, lança periodicamente selos exóticos de olho nos filatelistas existentes ao redor do mundo.

A Transnístria, a seu turno, além de manter insígnias soviéticas entre seus símbolos nacionais, como a foice e o martelo que estampavam a bandeira do bloco, também emite selos.
Apesar da estabilidade no dia a dia das instituições desses países, há também graves problemas a serem enfrentados. O tráfico de seres humanos, por exemplo, é uma questão importante tanto na República Turca de Chipre do Norte quanto na Transnístria.
Ainda assim, a impressão que um visitante de primeira viagem teria desses lugares seria provavelmente de normalidade.
As ruas têm seus semáforos, são regularmente patrulhadas pela companhia local de tráfego, têm hospitais e outros serviços que formam os Estados-nação que conhecemos modernamente.

Os países seguem voluntariamente, no geral, algumas leis europeias, bem como, tradições postais do velho continente.

(Presidente Vladislav Ardzinba)

Assim, nenhum deles instituiu a pena de morte, todos têm eleições relativamente concorridas – mesmo que a lista de candidatos seja ínfima, bem como, emissões postais da “Série Europa”.
Um país não consegue, contudo, embora seja uma interessante fonte de renda, sobreviver apenas vendendo selos. Ele precisa quase invariavelmente arrecadar impostos para se financiar e garantir que a polícia e o sistema educacional funcionem.
Essa vulnerabilidade acaba dando a outros países e a potenciais mediadores de conflito alguma vantagem e poder de influência sobre essas regiões – algo usado com parcimônia até o momento.
Ofertas de ajuda com a educação e a saúde, por exemplo, podem vir acompanhadas de pedidos de cooperação para a extradição de fugitivos.
Isso tem acontecido em certa medida com a Transnístria, que discretamente assinou o acordo de livre-comércio firmado entre a Moldova e a União Europeia.
O país também selou um acordo para que veículos locais possam circular no exterior com placas “neutras” registradas na Moldova e para que diplomas de universidades da região tenham reconhecimento internacional.

Visualmente, o lugar pode ainda parecer um parque temático dos tempos soviéticos, com as estátuas de Lenin e simbologia da época, mas ele tem se movido em direção a Rússia moderna e à Europa.
Com a perspectiva de resolução dos conflitos ainda um tanto quanto distante, esse modelo que implementa mudanças de forma gradual, à medida em que procura aumentar o engajamento internacional, tem se mostrado uma alternativa para esses países seguirem adiante.
Ainda que os territórios não sejam reintegrados aos Estados dos quais se separaram em um futuro próximo, pelo menos suas populações – ainda que não o governo – podem se tornar parte da comunidade internacional.

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